5. Emancipação: sem volta a trás? A crise global e as mulheres. Prospectivas “materialistas”

1. Produtividade nos trabalhos domésticos, libertação do tempo

Quais as consequências no que concerne à possibilidade de perpetuação, em contexto de crise geral, do estatuto social elevado das mulheres “libertas” da maternidade e equipadas com ferramentas de produtividade nos trabalhos domésticos?

Relembremos o essencial dos “episódios” precedentes. VN mostrou que o lugar das mulheres tanto na família como no mercado de trabalho e na sociedade em geral se transformou em função de dois parâmetros. Um, doméstico, foi a melhoria considerável das condições de vida no lar, e a mecanização da maior parte das tarefas. O efeito que a mecanização e a automação) tiveram no trabalho industrial e terciário – um fortíssimo aumento da produtividade, teve o seu homólogo na mecanização dos trabalhos domésticos. Se bem que seja menos habitual considerar que água corrente fria e quente, máquinas de lavar a roupa e a loiça, aspiradores, utensílios eléctricos de cozinha, fornos micro-ondas, frigoríficos e congeladores, etc., que permitiram rentabilizar o esforço no âmbito dos lares produzem uma melhoria da produtividade homóloga da que resultou do progresso técnico na indústria e nos escritórios, o facto é que para as pessoas (sabemos que são sobretudo as mulheres), que têm que cumprir essas tarefas, o resultado é o mesmo: economia de energia física e mental, relativa emancipação das agentes. Outro parâmetro, decisivo, foi o aumento da capacidade das mulheres para controlarem a sua fecundidade, para adiarem o casamento e a maternidade. Mostrou VN também que essa capacidade depende estritamente da “prótese química” (ou tecnológica como o DIU1) permanente que é a contracepção.

2. O perfil de uma eventual crise global (alguns dizem: provável) e em parte previsível.

2.1. Vem em primeiro lugar o fim da disponibilidade de energia abundante e barata.

No longo século XIX, o carvão, produzido na Europa (Reino Unido, França, Alemanha, etc.) esteve na base da primeira revolução industrial. Foi a abundância de petróleo e a descoberta de inúmeras novas utilizações (química, etc.), que permitiu o salto em frente (para o abismo, dirão alguns), que levou à “Grande Aceleração”2 após a segunda guerra mundial. O carácter estratégico do carvão e do ferro (aço) ficou bem indicado na criação, apenas seis anos depois do fim da II guerra mundial, da primeira “Comunidade Europeia”, a do Carvão e do Aço (CECA, 1951). Após a “Era do Carvão” veio a “Era do Petróleo” que transformou radicalmente as actividades produtivas, os transportes e o consumo. Energia concentrada, facilmente transportável (ao contrário do carvão), barata, o petróleo induziu uma relação com a energia que parecia torná-la inesgotável.

2.2. O fim das Matérias-primas abundantes

A energia abundante e barata (repitamos) tornou possível a expansão da extracção de matérias-primas, em quantidades a várias escalas de grandeza (da ordem de cem a mil vezes) em relação aos períodos anteriores. Essa dupla abundância, a capacidade que tiveram os países do “centro” para importarem essas matérias (energéticas e não-energéticas) do conjunto do planeta, quando vieram a escassear no “centro” são a explicação principal do formidável aumento de riqueza que permitiu a melhoria substancial dos níveis de vida no “centro” e, em particular, a emancipação das mulheres tal como VN a descreve. È daí que temos que partir para antever os contornos de uma crise que venha pôr em causa essa dupla abundância.

3. Progressos tecnológicos, científicos e emancipação feminina

Não só como fonte de energia primária, mas também como matéria prima para a indústria (p. ex. química) foi o petróleo que permitiu a transformação das economias e com elas as sociedades. No domínio biológico, a abundância energética incidiu na industrialização das substâncias terapêuticas (antibióticos – 1945), das reguladoras da fertilidade (pílula contraceptiva). E no domínio do equipamento técnico (infraestruturas, transportes, equipamentos domésticos). O que decerto coloca a tecnologia (movida por uma energia acessível) no centro do processo de emancipação feminina. e no centro das eventuais soluções frente a uma eventual ruptura do sistema.

Assim, o recurso à prótese química que é a contracepção veio expor as mulheres que através dela, após anos de utilização, adiaram a procriação, coloca as mulheres em tempo de crise global perante a sua própria biologia “desarmada”. Enquanto está disponível, ela incitou as mulheres a adiar a primeira gravidez. Mas quando a idade começa a produzir os efeitos (previstos) de perda parcial ou total da fertilidade, entrega as mulheres ao mundo impiedoso da concepção-tecno-médica (“PMA”). Saiba-se que mesmo antes que se declare a “grande crise”, a pretensão compensatória das PMA mostrou-se desprovida de fundamento, já que apesar do imenso investimento feito e em curso, a fecundidade continua a baixar. 3 O que não surpreende, sabendo que os custos médicos de cada tentativa ou “ciclo” de fecundação superam 5000€, sem contar com os custos da viagem e do alojamento, a que só uma restrita categoria de mulheres tem acesso. A emancipação nestes casos é muito relativa: elitista4, mesmo quando o Estado reembolsa uma parte dos custos. Solução tecnológica, que faz parte dos sectores de que falo a seguir. Mas a artificialização da reprodução pressupõe a existência de uma rede médica de alta tecnologia que poderia fazer parte das primeiras estruturas que uma crise radical poria em causa.

4 Crise? Que crise? E que resposta?

Partindo do horizonte – consensual – de entrada em crise energética, ecológica, e por conseguinte económica e social, o que Véra Nikolski (VN) encara como resposta por antecipação, é que as mulheres invistam nas “funções essenciais”, que elas façam o possível para “se tornarem indispensáveis”. O objectivo em si, é genericamente incontestável. E quais seria essas funções? Seriam todas as que estão ligadas às tecnologias avançadas pelo que as mulheres teriam que investir fortemente nas formações STEM (Science, Technology, Engineering, Mathematics). A ideia parece guiada por uma dedução simples e cheia de bom-senso: numa sociedade tecnológica, em situação de crise multifacetada, seriam os sectores ligados às tecnologias que seriam “estratégicos”, por serem eles que poderiam encontrar as soluções. Donde, em vez de serem como no presente apenas um pouco mais de um terço das estudantes em STEM5, as mulheres deveriam ganhar uma fatia de 50% pelo menos, tanto nos estudos e nos diplomas como nos empregos. Todavia, essa visão parece carecer de coerência. Não faz mal nenhum que as mulheres ganhem espaço nas STEM, mas falta analisar o lugar dessas qualificações em contexto de crise muito grave. Ora existem cenários bem construídos em que oss sectores de alta tecnologia, por serem estritamente ligados ao sistema mundializado de produção e à correlativa abundância de energia e de matérias-primas, poderão ser os mais directamente afectados pela ruptura das ligações materiais e informacionais (a crise-Covid foi uma pequena ante-visão). São pelo contrário os sectores que assentam em “low tech” que podem melhor prescindir dos recursos mundializados. Quem diz low tech diz mais trabalho manual, e portanto empregos nos quais nem máquinas sofisticadas nem automatização são centrais e trabalhos e diz também empregos que assentam em recursos e necessidades (clientelas) locais. Relocalização dos recursos, do trabalho, dos mercados. Ainda lá havemos de voltar. Mas esse argumento não é o essencial. A crítica da “despreocupação” culpável de certos feminismos (quase todos) em relação às crises previsíveis, que VN acusa com razão de pensarem o lugar das mulheres no futuro a partir do postulado “ficando tudo o resto como está”, deixa curiosamente para trás o essencial da sua argumentação”materialista” sobre o processo de emancipação das mulheres no Ocidente: a questão da reprodução que veremos mais abaixo.

VN parece não ver o problema. Não é tornando-se engenheiras ou matemáticas que as mulheres podem colocar-se ao abrigo da crise. Com efeito, se 50% (em vez de 28%6) dos engenheiros (~1,6% da população) forem mulheres, 0,8% das mulheres “salvar-se-iam” se a profissão fosse poupada pela crise7. E as 49,2 % restantes, o que fazem?

Os sectores com prestígio em que elas são maioritárias (de 60 até 90% da mão-de-obra), nos chamados sectores HEAL (“Health, Education, Administration, Literacy” ou “Law”) são por definição dominados pelos serviços públicos8. Mas a intervenção da Troika na mini-crise de 2010-2013 veio mostrar em escala moderada (comparada com os efeitos de uma crise global) a direcção da evolução previsível no caso de crise sistémica: cortar na Saúde, na Educação, na Justiça e em geral na “Função Pública”: todos eles domínios fortemente feminizados. E a derrocada, em curso em toda a Europa, desses sectores, num estado de crise endémica, bem demonstra a sua fragilidade, porque dependem de decisões políticas contingentes e por vezes brutais. Por outro lado, no mercado do trabalho low-tech, manual, presencial, elas estarão sempre em concorrência com os homens e continuarão a ser desfavorecidas em inúmeros empregos nos quais a força física (que tinha deixado de ser tão importante), desempenha um papel de relevo. Um teste interessante foi o que provocou a pandemia de Covid19. Em todo o mundo (em particular, para continuarmos a pensar no âmbito dos países desenvolvidos, na Europa e nos EUA), a definição dos trabalhadores “essenciais” tornou-se um exercício cheio de ensinamentos: quem é “essencial”? As forças militares e de segurança (cerca de 90% masculinas), o pessoal sanitário feminizado (médicos F ~60%, enfermeiros F 70%, auxiliares F 80%, etc.). Vêm depois as funções de execução com exigência presencial e de forte componente física (ex. transportes, serviços de entregas, recolha de lixos urbanos, esgotos, manutenção das redes de água, gás e electricidade, etc.), quase 100% masculinas. Um teste improvisado: quem enchia as carruagens dos metropolitanos das grandes cidades europeias? 80% de homens. Os tais “indispensáveis” que podiam paradoxalmente ser “sacrificados”, submetendo-os ao risco de contágio. Então, como podem as mulheres tornar-se “indispensáveis”?

5. Solução: Fazer o mesmo que os homens?

A visão de VN parece neste ponto um avatar das especulações da Simone de Beauvoir (a quem VN se refere), que pretendia demonstrar que “as mulheres podem fazer tudo o que fazem os homens” (slogan ainda hoje em voga nos EUA) para exigirem o acesso a todos os postos, carreiras, empregos até então mais ou menos reservados aos homens. De facto as mulheres “tudo podem”, se não entrarmos no detalhe da análise do “que podem os homens” e do que “podem as mulheres”, porque se o fizermos constatamos que a “segregação” profissional por sexos não é totalmente arbitrária9. Enquanto princípio de igualdade, em primeira análise, a reivindicação era e é legítima e obteve um sucesso que ultrapassou as esperanças das promotoras ao ponto de inverter o problema do “gender gap“. Onde “faltavam mulheres” faltam agora homens, e em que proporções! Mas, não tenhamos receio de repeti-lo, em todos esses postos de trabalho as mulheres são, com toda a evidência, substituíveis pelos seus congéneres masculinos. O fantasma mimético (R. Girard10) que consiste em “desejar ou que o outro deseja”, “ter o que outro tem” ou querer “ser o que o outro é” e está na origem das relações antagonistas, é um fantasma que parece implícito na Beauvoir, e surge discretamente com VN: que as mulheres vão procurar os sítios prestigiados que os homens ocupam. Salvo que, em situação de crise sistémica, esses lugares também estarão em perigo, e nos que sobreviverem, elas defrontariam a concorrência (que pode ser menos leal) dos homens…

6. Feminismos e recusa da maternidade

As posições da Beauvoir traziam um gato escondido com o rabo de fora (metáfora quase sem malícia): a recusa da maternidade. Recusa visceral no seu caso, que nunca integrou na análise, que se tornou o alicerce e a bandeira de todos os feminismos, ou quase. Black out.

Ora, é absolutamente óbvio que a única função na qual as mulheres são, mais ainda que “indispensáveis”, insubstituíveis, é a reprodução. São elas e apenas elas que engravidam, dão à luz, amamentam e reproduzem biologicamente as sociedades, com o contributo biológico momentâneo dos homens. A assimetria entre os sexos é constitutiva da espécie, e não existe nenhuma possibilidade de transgredi-la. Se seguirmos, por nossa conta, a ideia que em situação crise grave as mulheres têm interesse, para salvaguardarem o sólido estatuto que adquiriram no último século e sobretudo no recente meio-século, em concentrar-se nas funções em que são essenciais e insubstituíveis, então é em tudo o que rodeia as condições sociais da reprodução que o seu esforço deveria incidir. E não nas engenharias nem nas carreiras que exigem formações muito longas e profissões exigentes nas quais a contradição profissão/maternidade assume formas extremas. Sendo certo todavia que o facto de serem engenheiras não teria teoricamente que impedi-las de serem mães, não mais que se forem médicas, operárias, advogadas ou empregadas comerciais. São as condições práticas, sociais, de cada formação e profissão que regulam a arbitragem entre reprodução e carreira. Essas condições sãoao mesmo tempo objectivas (semelhantes para todas as mulheres) e subjectivas, porque há que ter em conta o modo como elas vivem a articulação (e a eventual incompatibilidade) entre o desejo de ser mães, de cuidarem dos filhos muito pequenos e o desejo de participar na vida social no exterior do círculo familiar.

7. Responsabilidade biológica intransmissível, mas partilhável

As mulheres ainda têm em cada sociedade uma responsabilidade que lhes é própria e exclusiva: dar ao mundo os indivíduos que renovam cada geração. E terão essa responsabilidade biológica enquanto uma sociedade não decidir suicidar-se fechando o ciclo das gerações. Incómodo, mas irrecusável. Na necessidade de novos dispositivos de regulação da relação entre trabalho (e mais precisamente) carreiras, e reprodução, reside o essencial da estratégia que poderia permitir que em caso de crise global, as mulheres, em vez de retrocederem para um estatuto inferior, fizessem valer o papel essencial que a reprodução (e portanto em primeiro lugar elas), desempenha na sobrevivência das sociedades. No regime cultural que ainda persiste, a reprodução da sociedade (que assenta em primeiríssimo lugar na reprodução biológica), é considerada como um dado adquirido. Existem mulheres na sociedade, elas engravidam e dão à luz, e tudo funciona. Mas o facto que a maternidade (porque é isso que está em causa) não seja (ou tenha deixado de ser) pensada como uma função social essencial permite a sua desvalorização relativa: este é o ponto crucial. E quando as mulheres deixam (primeiro tacitamente) de aceitar as condições sociais da reprodução biológica, surge “de repente” uma surpresa: os nascimentos descem abaixo do patamar da substituição das gerações. Sendo as condições actuais consideradas “más” por muitas mulheres, quais poderão ser os efeitos de uma crise que lhes tolha os numerosos apoios (assistência obstétrica, licença de parto, ajudas diversas), de que (ainda) beneficiam, ao enfrentarmos a paralisia dos sistemas de saúde?

8. A revolução cultural que se espera não é a que se imagina

Uma primeira direcção a explorar é da relação entre maternidade, paternidade e “alloparenting”

Na transformação inevitável do modo de encarar a reprodução biológia (a maternidade) intervirá outro elemento, muito menos evidente: o papel dos homens e dos parentes próximos na reprodução, para além do mero contributo biológico. A questão coloca-se perante a substituição sistemática dos pais (homens) e parentes, amigos próximos, etc., ou seja, toda a rede de apoios informais – decisivos – às mães pelos dispositivos de Estado, burocráticos e anónimos mesmo quando são “bons”. Se o Estado assumiu esse papel, quid de uma situação em que o Estado falha? Como restaurar o que foi destruido?

Hadza Grand-mother carrying a child; Tanzania; Photobucket, Psychology Today

Tomemos nota deste facto estruturante: a espécie H. sapiens evoluiu e teve o sucesso reprodutivo que teve (aliás por vezes… excessivo), porque a sua reprodução assenta na criação cooperativa dos filhos a começar pelo pai, com a parentalidade alargada (adultos próximos da família nuclear)11.

Kristen Hawkes and James O’Connell 2003

Decisiva desde a mais longínqua história da nossa espécie12 para apoiar as mães em todas as tarefas de maternagem é a participação activa do pai, dos adultos masculinos, dos parentes próximos, e até de adultos não aparentados. Sem esse “cooperative breeding”, Homo sapiens teria seguido o mesmo destino das espécies “parentes” que o precederam e acompanharam durante algumas centenas de milhares de anos: a extinção. Salto mortal para o presente: nas nossas sociedades, perante os problemas (infertilidade, infecundidade), que não esperaram pela grande crise para pôrem em perigo o equilíbrio do processo de reprodução, a reintegração do pai e dos avós13 na criação dos filhos é, por outro lado, indispensável para conter a catástrofe psicológica e social dos milhões14 de crianças sem pai presente: o aumento dos “fatherless children” ao mesmo tempo que o abandono sentido pelos “childless fathers”.

Fonte: https://www.saltstrong.com/articles/fatherless-america-unchurched/

Pensar a reprodução e a sua organização social exige uma revolução cultural que talvez seja da ordem da utopia, mas é a única via para fazer frente a uma crise global, e evitar o retrocesso das mulheres ao inaceitável statu quo ante, dando para tal aos homens o lugar na família que a sociedade precisa que eles preencham. Costuma-se realçar que eles precisam de assumir esse papel e essa responsabilidade (o que “eles” teriam tendência para não fazer…). É um facto, associado à desvalorização do cuidado dos filhos e ao cuidado doméstico: erro fatal. Mas ese dado ideológico-cultural não age no vazio, pelo contrário: a tendência geral é ignorar os dispositivos administrativos e legais que afastam os pais quando há separação15

Poderia uma crise radical obrigar a redefinir as modalidades de cooperação entre mãe e pai, avós e outros parentes (e amigos!) na criação dos filhos? Será que nos damos conta (e VN em particular) que aí precisamente se encontra a bifurcação possível? Essa seria a alternativa entre, por um lado,o rebaixamento da condição feminina em virtude da crise, eventualmente a um nível pior que antes da segunda metade do século XX (porque os mecanismos familiares tradicionais ainda presentes nessa época foram entretanto desmantelados) ou, por outro, uma redefinição cooperativa, não antagonista e igualitária da divisão sexual do trabalho de criação dos filhos? Alargar a rede dos cuidadores, restaurar o âmbito inter-geracional. E não pensar apenas na posição de cada sexo nos mercados do trabalho como causa da crise reprodutiva?

–> Continua –>

Bilhetes Precedentes

*Primeiro bilhete: ver https://umolharantropologico.wordpress.com/2023/08/31/uma-interpretacao-materialista-da-emancipacao-das-mulheres-1/

** Segundo bilhete: https://umolharantropologico.wordpress.com/2023/09/05/2-uma-visao-materialista-da-emancipacao-das-mulheres/

*** Terceiro bilhete: https://umolharantropologico.wordpress.com/2023/09/26/3-emancipacoes-femininas-vistas-de-cima-vistas-de-baixo/

**** Quarto bilhete: https://umolharantropologico.wordpress.com/2023/10/02/4-emancipacao-feminina-entre-vitimismo-e-autonomia/

(

1“Dispositivo Intra Uterino”

2Entre outros: Will Stephen et al.. “The Trajectory of the Anthropocene: The Great Acceleration”. The Anthropocene Review, March 2015

3 Convém, para memória, arrombar algumas portas abertas. A idade da primeira maternidade passa em Portugal de 25 (1960) com 3,2 filhos por mulher para 31 anos (2021) e 1,3 filhos. Em França num movimento semelhante, nos anos 90 as mulheres tinham o primeiro filho por volta dos 24 anos e 2,7 filhos, em vez dos 31 anos e 1,7 filhos actualmente (2022). A janela de fertilidade existe. Mais claro ainda é o falhanço das técnicas de substituição do processo normal, visível nas taxas de fecundidade baixíssimas (2022) no Japão (1,26) e na Coreia do Sul (0,78)…

4“Em média, nos Estados Unidos, uma fertilização in vitro custa 12.000 dólares quando na França custa 4.000 euros para uma tentativa. A taxa de quatro tentativas, o custo de uma gravidez no âmbito do PMA é de cerca de 20 000 euros. Além disso, existem os custos de exames médicos e tratamentos hormonais. Este encargo financeiro é por vezes suportado pelos Estados, mas noutros casos é da responsabilidade dos indivíduos. Na França, o seguro de saúde reembolsa 100% das quatro tentativas de fertilização in vitro.” Thomas Seegmuller, Laurène Casseville, “Boom de l’infertilité : quels coûts pour la société ? CNRS, Le Journal, 24.11.2021. (Traduzo).

https://lejournal.cnrs.fr/nos-blogs/dialogues-economiques/boom-de-linfertilite-quels-couts-pour-la-societe

5Segundo a CIG “Em Portugal, ao nível da educação, as mulheres correspondem a 38% das pessoas licenciadas nas áreas STEM (Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemáticas) e os homens constituem 62% dos indivíduos licenciados nestas áreas: uma diferença de 24 pontos percentuais.” Noutra perspectiva, “A proporção de mulheres em empregos em STEM em Portugal é já de 44%, mas os empregos nesta área correspondem apenas a 12% do emprego total.”. Ou seja, no conjunto do emprego feminino, as áreas STEM representam 44%. “OIT analisa emprego das mulheres nas STEM” https://www.cig.gov.pt/2020/02/oit-analisa-emprego-das-mulheres-nas-stem/

6 27,8% em 2023 fonte: https://www.ordemengenheiros.pt/pt/a-ordem/colegios-e-especialidades/estatisticas/

7Ver nota 5: o emprego nas áreas STEM representa 12% do total.

8 Nos sectores privados as mulheres com cargos de direcção representam uma menor fracção do total do que nos serviços públicos: efeito do privilégio dos diplomas.

9 O termo de “segregação” é aplicado na literatura sociológica, de modo habitual e pré-crítico, à especialização dos empregos por sexos. Mas tem um grave inconveniente, por sugerir uma analogia com a discriminação racial que é um dispositivo de exclusão ou afastamento deliberados de uma certa categoria social (ex.: “racial”) de certos locais, serviços ou empregos etc. O fenómeno que evocamos no domínio do emprego é o produto de tropismos individuais (e culturais), de preferências e não de restrições estatutárias. Como foi outrora (até 1975) em Portugal por exemplo o caso da magistratura, que excluía por lei as mulheres.

10René Girard, La Violence et le Sacré. Paris, Grasset, 1972

11 Por exemplo: Kramer, K.L., Otarola-Castillo, E., “When mothers need others: The impact of hominin life history evolution on cooperative breeding”, Journal of Human Evolution (2015), Também: Karin Isler and Carel P. van Schaik “How Our Ancestors Broke through the Gray Ceiling; Comparative Evidence for Cooperative Breeding in Early Homo”, Current Anthropology, Vol 53, Supplt 6, Dec. 2012 http://dx.doi.org/10.1016/j.jhevol.2015.01.009. Kristen Hawkes, “Grandmothers and the Evolution of Human Longevity”. American Journal of Human Biology, 15:380–400 (2003). Sarah B. Hrdy “Development plus social selection in the emergence of ‘Emotionaly Modern’ Humans” in Cooperative Breeding and Human Cognitive Evolution: 11-44.. Article  in  Evolutionary Anthropology Issues News and Reviews · September 2009. DOI: 10.1002/evan.20222

12E segundo O’Connell e colegas, já presente no Homo erectus: O’Connell, J. F., Hawkes, K., & Blurton Jones, N. G. (1999). Grandmothering and the evolution of Homo erectus. Journal of Human Evolution, 36, 461–485.

13 A língua portuguesa é coxa na terminologia do parentesco. O plural de pai é “pais”, e designa pai e mãe. Ficamos sem saber se são vários pais homens (quantos pais-H numa “associação de pais” p.e.) ou os “parentes” (“parents”) dos dois sexos. Mas é (que eu saiba) a única língua indo-europeia que escolhe a forma feminina “avós” para designar avô e avó… Importância dos avós (ou das avós): o “Efeito-avó” cf. Kachel, A. F., Premo, L. S., & Hublin, J. J. (2011). “Grandmothering and natural selection”. Proceedings. Biological sciences, 278(1704), 384–391. https://doi.org/10.1098/rspb.2010.1247. O efeito evolutivo da “criação cooperativa” (“aloparentalidade”, participação de vários adultos, relacionados biologicamente ou não) foi descrita pela paleo-antropóloga Sarah Blaffer Hrdy. 2016 – Comment nous sommes devenus humains, Les origines de l’empathie (Mothers and Others: The Evolutionary Origins of Mutual Understanding, 2009), traduit par Marlène Martin, préface de Jean-Jacques Hublin. Paris, éditions l’Instant Présent. Acessível em inglês: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5390013/mod_resource/content/1/3%20-%20Hrdy2009%20Mothers%20and%20others.pdf

14 Algumas fontes contabilizam pelo menos 15 milhões de crianças nessa situação (“fatherless”) nos EUA: uma criança em cada 5, enquanto um terço das crianças vive com um só parente. ” https://www.pewresearch.org/short-reads/2018/04/27/about-one-third-of-u-s-children-are-living-with-an-unmarried-parent/ Outras fontes dão estimativas superiores: “According to the U.S. Census Bureau, in 2020, 24.7 million children (33%) in the United States lived in fatherless homes. This number has increased by 25% since 1960”. https://increditools.com/fatherless-homes-statistics/

15 Questão que hei-de tratar à parte. Em Portugal por exemplo, em caso de separação legal (divórcio etc.), os filhos são confiados às mães em mais de 84% dos casos. As famílias monoparentais só com a mãe são 84,7% do total em 2020. Fonte:https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/2022/09/print_2022_04_22_BE_VFINAL_web.pdf


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